Fundadores do Slow Food defendem uma gastronomia pela educação e política

A centralidade do alimento é uma questão educacional e política. Esse foi o claro recado dado por Alice Waters e Carlo Petrini, os dois maiores nomes do movimento Slow Food presentes à abertura do Congresso Mesa Tendências, parte integrante da Semana Mesa SP

“Sinto a mesma energia inspiradora de quando estive na Argentina e Uruguai e vim para compartilhar ideias, mesmo me sentindo mais confortável na cozinha, pois meu poder de persuasão é maior quando coloco alimento nas suas bocas”, brincou a chef do Chez Panise, restaurante no Norte da California, nos Estados Unidos.

Passadas as brincadeiras, Alice foi enfática ao abordar a força do fast food no mundo atual. “Ele está para além da comida, se coloca como uma cultura e estabelece desejos e formas de como fazer as coisas e de como acreditamos nas pessoas”. Para a chef, os valores do fast food trazem a perda da singularidade e uma excessiva rapidez que frustra as expectativas quando a gratificação não for instantânea.

Alice, que desde a década de 1970 trabalha pela alimentação orgânica – “não queríamos começar revolução alguma… só um pouquinho”, acredita que é necessário não só o controponto, como a afirmação de práticas que não permitam que o fast food “roube as nossas bandeiras”, nas palavras da chef. Para isso, ela defende o pagamento do valor total dos alimentos, que têm seus valores mascarados por subsídios.  Toda a vez que alguém fala que comprou algo barato, eu sei que alguém trabalhou quase de graça no aoutro lado”, explica Alice.

Outro ponto dessa  transformação está na educação. “Se quisermos mudarmos a cadeia temos de envolver as novas gerações.  É na escola o local onde crianças com diferentes valores em formação podem desenvolver e trocar”, explica a chef, que defende um currículo alimentar e a criação de redes econômicas em escolas públicas, com produção própria dos alimentos para a merenda e interação entre produtores locais.  “Quando pediram para eu definir minhas propostas, apelidei de Revolução Deliciosa, pois sentar à mesa pode sim ter um sentido revolucionário”, concluiu Alice. 

Carlo Petrini foi mais enfático nas afirmações e conclamou aos jovens chefs a pensarem politicamente em suas carreiras. “A centralidade da comida tornou-se uma questão do planeta. E esse desafio será realizado através de chefs, e quando vocês escolhem essa profissão, vocês assumem uma opção de vida, uma opção política”, explica o italiano.

A perda da biodiversidade, o desperdício e o pensamento colonialista são os principais entraves que a cultura fast food impõe à população. “Em 100 anos,  a Itália perdeu 5 tipos de raças produtoras de leite, por exemplo. A diversidade é a grande força criadora, e quando ela sofre, o alimento perdeu o valor”, comenta o pesquisador, ao reforçar que 80% das sementes cultiváveis no mundo são de propriedade privada nas mãos de multinacionais, nivelando por baixo a alimentação mundial, num “sistema alimentar criminoso”.

Para o fundador da Slow Food, só com o pagamento justo aos produtores e a preservação das espécies alimentares como patrimônio da humanidade podem evitar o precipício para que a humanidade caminha. “Há 5 séculos o mundo foi convencido do que a América foi descoberta por um italiano. A troca de matéria-prima entre os continentes trouxe  a troca de identidades, mas ela tem de ser justa, senão não funciona.  Senão é uma cozinha colonizada. Descolonizar o pensamento significa que todas as cozinhas serão respeitadas com seus sentimentos. E nós comemos berinjelas, batatas e tomate, e não dinheiro. É isso que temos que mudar”.


Texto de Bruno Cesar Dias, publicado no site Basílico/UOL

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