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Agrobiodiversidade: diversidade cultivada

cr_087.jpgA biodiversidade é, comumente, associada a animais e plantas silvestres. Na sociedade em geral, assim como entre os ambientalistas, há menos consciência e militância em favor da diversidade biológica na agricultura – a agrobiodiversidade – do que da biodiversidade silvestre. Pode-se afirmar que, historicamente, o componente cultivado da biodiversidade tem sido negligenciado pelos ambientalistas e pelas políticas e órgãos públicos. Também os juristas têm se ocupado muito pouco do tratamento jurídico da biodiversidade agrícola, mesmo aqueles que se dedicam ao direito ambiental ou socioambiental.

Proteger variedades de mandioca, milho, arroz, feijão, preservar nossos ecossistemas agrícolas, é tão importante quanto as iniciativas nesse sentido voltadas à floresta amazônica ou à mata atlântica, ao mico-leão-dourado e ao lobo-guará, entre outros. Muitas variedades e espécies agrícolas já se extinguiram e outras correm risco de extinção. Isso em um contexto em que nossa alimentação baseia-se em um número cada vez mais reduzido de espécies, o que resulta em consequências negativas para o meio ambiente e para nossa saúde, diretamente associada à qualidade dos alimentos que comemos.

cr_089.jpgNossa alimentação é cada vez mais pobre, sendo que poucas são as pessoas que se dão conta das interfaces entre os modelos agrícolas hegemônicos e o padrão alimentar que nos é imposto, bem como de suas consequências socioambientais: marginalização socioeconômica dos agricultores tradicionais e familiares, insegurança alimentar, contaminação das águas, erosão dos solos, desertificação, devastação das florestas etc. Na agricultura, os impactos ambientais afetam a própria base de produção, o agroecossistema.

cr_076.jpgApesar dos avanços das leis ambientais brasileiras, ainda não há qualquer lei especificamente consagrada à agrobiodiversidade. As leis que tratam da política nacional do meio ambiente, da política nacional de biodiversidade e do sistema nacional de unidades de conservação não contemplam a biodiversidade agrícola. Ainda mais grave é o fato de que as leis agrícolas (referentes às sementes, proteção de cultivares etc) têm sido editadas sem considerar seus impactos sobre a diversidade genética, de espécies agrícolas e de ecossistemas cultivados. As leis agrícolas têm desconsiderado que a biodiversidade – e a sociodiversidade a ela associada – são protegidas pela Constituição e que as leis e políticas públicas devem promover sua conservação e utilização sustentável. A preservação da diversidade e da integridade do patrimônio genético brasileiro é expressamente determinada pela Constituição (art.225, par.1º, II), assim como a salvaguarda do rico patrimônio sociocultural brasileiro (art. 216), que inclui as variedades agrícolas, as práticas, saberes e inovações desenvolvidas pelos agricultores.

Entre os instrumentos para promover a conservação da agrobiodiversidade, sugerimos a criação de uma categoria de unidade de conservação especialmente destinada à conservação e ao manejo sustentável da agrobiodiversidade, tal como ocorre atualmente com os parques, reservas biológicas e estações ecológicas, que abrigam espécies da fauna e da flora silvestres. Essa seria uma forma de promover a conscientização pública para a necessidade de conservação da diversidade agrícola e para suas implicações em relação à segurança alimentar. Também obrigaria o poder público a definir as áreas prioritárias para a conservação da agrobiodiversidade.

cr_117.jpgA biodiversidade agrícola deve ser conservada não apenas em bancos de germoplasma (ex situ), como também nos habitats naturais (in situ) e nas propriedades rurais, pelos agricultores (on farm). Dentro das "reservas da agrobiodiversidade", seriam legalmente restringidas as atividades que podem impactar negativamente a biodiversidade agrícola (como exploração de madeira e de minérios ou obras de infraestrutura, por exemplo). Seria limitado o uso de agrotóxicos e de outros poluentes químicos, assim como seriam protegidos (com maior rigor) os mananciais hídricos e estabelecidas normas de biossegurança mais severas, a fim de evitar possíveis contaminações por cultivos transgênicos.

A criação de "reservas da agrobiodiversidade", por si só, não será suficiente para minimizar os impactos de um modelo agrícola industrial e insustentável, principalmente se tais reservas forem apenas "ilhas" cercadas por atividades agrícolas insustentáveis. Entretanto, as "reservas da agrobiodiversidade" poderão representar mais um instrumento jurídico para a conservação da agrobiodiversidade. É importante, assim como na criação de qualquer área protegida, que as "reservas da agrobiodiversidade" tenham sustentabilidade política e social e atendam a objetivos mais amplos – não apenas de conservação ambiental – de desenvolvimento local sustentável e inclusão social, contando com o apoio e participação de agricultores familiares, tradicionais e agroecológicos: aqueles que produzem a boa comida, comida diversa.


capa_livro.jpg* Juliana Santilli é doutora em Direito Socioambiental e Promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal. É pesquisadora do programa Populações locais, agrobiodiversidade e conhecimentos tradicionais na Amazônia brasileira e autora do livro Agrobiodiversidade e Direitos dos Agricultores .

 

Notas da Editora

* O livro Agrobiodiversidade e Direitos dos Agricultores, de Juliana Santilli , estará sendo lançado em Brasília no próximo dia 1º de outubro (quinta-feira) de 2009, às 19 horas, no Café Daniel Briand, SCLN 104, Bloco A, Asa Norte. A autora convida: vale prestigiar!

*cr_290.jpg Conheça a Arca do Gosto , uma iniciativa da Fundação Slow Food para a Biodiversidade  que consiste em um catálogo mundial que identifica, localiza, descreve e divulga sabores quase esquecidos de produtos ameaçados de extinção, mas ainda vivos, com potenciais produtivos e comerciais reais. O objetivo é documentar produtos gastronômicos especiais, que estão em risco de desaparecer. 

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